Lutador com autismo brilha em evento de MMA, que dá show de inclusão; conheça a história de Bernardo Graff

SUPER LUTAS narra trajetória de atleta que brilhou no início de agosto, no RFA, em luta contra Márcio Lyoto

Durante 365 dias no ano, o SUPER LUTAS se preocupa em contar aos fãs notícias de campeões. Cobrimos lutas de Anderson Silva, Jon Jones, Conor McGregor, Khabib Nurmagomedov e outras lendas que encantam os espectadores. Desta vez, no entanto, iremos além. Escreveremos não um conto, uma fábula, mas trataremos de vida real, sobre um herói verdadeiro.

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No dia 8 de agosto, em Florianópolis (SC), o RFA Fight, promovido pelo Mestre Rangel Farias, fez história e deu um verdadeiro show de inclusão ao escalar para seu confronto de abertura um lutador que faz parte do ‘Transtorno do Espectro Autista’ (TEA). Bernardo Graff, de 20 anos, calçou as luvas e trocou forças contra o experiente Márcio Lyoto, ex-TUF e ‘Contender Series‘. Subir em um cage é para poucos, e é a grande história de ‘Bê’ que será narrada hoje.

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NASCE UMA LENDA

Bernardo Graff foi uma das atrações do RFA Fight, no início de agosto. Foto: Reprodução/Instagram

Em 26 de abril de 2001, nascia, em Florianópolis, Santa Catarina, Bernardo Graff Zagonel. Com nome de lutador, ‘Bê’ teve seu diagnóstico para o TEA confirmado aos três anos de idade. A família, com o tempo, passou a entender que a socialização era uma arma poderosa para que nosso guerreiro pudesse vencer suas batalhas diárias.

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“O autismo vai de um grau mais severo para um mais leve. O Bernardo, de tanta inclusão que a gente vai exercitando esta dificuldade social de comunicação e entendimento, ele foi amenizando (o grau). Cada autista é como nós. Todos temos nossas diferenças. O grande desafio é descobrir o ponto de como lidar com eles, com seu filho ou todo mundo. O que aprendi? Colocando o ‘Bê’ na inclusão, vejo três aspectos: você passa para as pessoas o que é o autismo, leva essa informação; trabalha com o autista, exercitando, explicando; também trata da própria pessoa que está incluindo, porque a gente também precisa passar por um monte de fases”, explica Cintia Graff, mãe de Bernardo.

Bernardo no MMA: como é para a família?

Bernardo Graff (dir.) parte para cima de Márcio Lyoto (esq.) no RFA Fight. Foto: Reprodução/Instagram

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Orgulhosa do filho, Cintia Graff afirmou que o interesse pelo filho nas artes marciais mistas propõe um processo determinante de aceitação. Ela conta como é o desafio de acompanhar os passos de Bernardo no esporte.

“Eu fiquei feliz, porque, para ele, foi uma realização, mas vou te confessar que foi a inclusão que mais tive que me trabalhar. Eu falo muito assim: a luta parece ser agressiva, mas é toda técnica. A agressão verbal fere muito mais. As pessoas que estão envolvidas na luta sabem que tem técnica, disciplina e, principalmente, o respeito pelo adversário. Tudo é feito em cima do tatame. Foi uma das maiores e melhores inclusões que estamos tendo”, disse Cintia, que dá um conselho a famílias que contam com pessoas do espectro autista em seu dia a dia.

“Os pais têm que se permitir experimentar. A luta tem toda uma educação. As pessoas, muitas vezes, interpretam luta como uma briga, mas não vão conhecer a situação. O que fazemos com o ‘Bê’ aqui em casa é experimentar. Temos um copo, você pode pensar que ele está quase vazio ou quase cheio. Não ter medo de ousar. Medo, entre aspas, porque sempre temos medo, mas que o medo seja um aliado.

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Modalidade favorita: Bernardo manda a real

O MMA, como muitos sabem, é uma arte que engloba diversas modalidades de lutas. Assim como qualquer atleta profissional, Bernardo, que é fã de Amanda Nunes, também tem suas preferências. Embora conheça algumas áreas, Graff não esconde em qual se sente mais à vontade.

“Eu comecei a treinar Muay Thai com meus 13 anos de idade. Depois, passei a treinar boxe e, depois, jiu-jitsu. Comecei a me interessar mais pelo jiu-jitsu, mas ainda gosto mais do muay thai.

‘Sempre tive o sonho de lutar com alguém’

Como é de conhecimento de muitos, o esporte é capaz de causar mudanças definitivas na vida de diversas pessoas ao redor do mundo. A atividade física traz consigo uma gama de possibilidades que podem trazer benefícios determinantes para os praticantes. Assim, o MMA entrou na história de Bernardo. Fã do UFC, o lutador explicou se sentiu motivado a se testar na modalidade.

“Eu sempre acompanhava o UFC e tinha o sonho de lutar com alguém. Eu sou muito fã do Márcio Lyoto – atleta escalado para desafiar Graff no RFA Fight”, disse o atleta.

RESPONSÁVEL PELO SHOW

Bernardo Graff (esq.) posa ao lado do Mestre Rangel Farias. Foto: Reprodução/Instagram

Responsável por escalar Bernardo Graff no confronto de abertura do RFA Fight, Mestre Rangel Farias, nome importante para o MMA nacional, falou sobre os primeiros passos de ‘Bê’ na modalidade. Engajado na luta pela inclusão de pessoas do espectro autista desde os tempos de faculdade de Educação Física, o promotor narrou o encontro.

“O ‘Bê’ era aluno de um aluno meu e veio fazer a primeira graduação comigo. Quando ele me conheceu, os horários bateram certinho e comecei a fazer um trabalho com ele, aí começou a trabalhar comigo. Hoje, ele não treina mais comigo. Ele treina com o Bruno (Coelho), que vai na casa dele e faz um trabalho pessoal”, disse Rangel, que completou sobre sua preparação para o projeto específico e o engajamento de Graff nos treinos.

“Eu tive uma experiência de trabalhar com autismo dentro da faculdade e existem alguns estágios. O ‘Bê’ foi muito estimulado e tem o desenvolvimento bem alto. Já tive experiências com autismo de grau bastante elevado em que não conseguimos ter interação quase nenhuma. Não é todo autista que pode trabalhar a luta. Já o Bernardo, não. Ele é um menino bem sociável e facilita bastante”, disse Farias.

Ideia da luta

Se engana quem pensa que a proposta de escalar Graff para subir ao cage partiu do Mestre Rangel. Muito pelo contrário. Segundo o promotor, Bernardo tomou a iniciativa e se dispôs a compor o card, fazendo sua primeira apresentação no MMA.

“A ideia foi dele. Ele sempre pede para lutar. Ele fica: ‘mestre, quando vou lutar?’. Eu vinha enrolando, porque trabalhar com o autista beira muito ele se exaltar. Ele pode ter lapsos de braveza e vai de ‘zero a 80’ em um estalar de dedos. A gente tinha muito medo da reação dele, mas foi perfeito. Ele foi o atleta que mais me obedeceu. Se você pegar o vídeo, você vai ver que todos os movimentos, ele esperou o meu comando. Foi altamente obediente. Tudo o que eu pedi, ele fez”, contou Rangel.

Nada de moleza: Bernardo enfrenta ex-TUF Brasil

Márcio Lyoto comemora vitória no TUF Brasil 3. Foto: Reprodução/Instagram

Para sua primeira luta nas artes marciais mistas, Bernardo não se intimidou e aceitou enfrentar o ex-UFC e finalista do TUF Brasil 3, Márcio Lyoto. Empolgado para ver seu pupilo em ação, Farias explicou como e quando o duelo foi ‘casado’.

“Um sábado antes do evento, conversamos e decidimos colocar a luta do ‘Bê’. O Lyoto chegou no galpão para treinar e eu perguntei se ele não lutaria com o Bernardo. Ele disse: ‘lógico, Mestre. Eu tenho um irmão autista também’. Ele já tem a experiência do que pode acontecer – muito mais do que eu”, contou.

Nome de peso, grande ser humano: Márcio Lyoto

Com experiência no mundo do MMA, incluindo participação na terceira edição do ‘The Ultimate Figher Brasil’ (2014), no ‘Dana White’s Contender Series’ (2018), Márcio Lyoto foi o escolhido para a estreia de Graff no esporte. Ídolo do jovem, o combatente, que tem passagem pelo UFC aceitou o compromisso e trocou forças com o fã. O brasileiro, então, falou sobre o convite.

“Foi um convite do professor Rangel, que me disse que tinha um aluno com um sonho de fazer uma luta no evento. Eu topei na hora. Querendo ou não, foi uma oportunidade para mim. Fiquei grato aos familiares do Bernardo, que aceitaram que eu fizesse essa luta com o Bernardo. A gente sabe que a família fica meio apreensiva por toda a situação”, disse Lyoto, que viu no confronto uma chance de crescer, também, como atleta.

“Como atleta, isso só tem a agregar. O esporte vai muito além de uma competição. O esporte foi feito para quebrar barreiras e incluir pessoas, independente do problema que ela tenha. É mais do que um cartel, uma luta. É uma mensagem que você passa para a sociedade. Eu fico feliz que essa mensagem conseguiu chegar em diversas mídias especializadas. Quando a gente acabar nossa trajetória de atleta, nosso ciclo, a gente quer deixar um legado, uma história positiva para nossos filhos, netos, bisnetos e pessoas que se sentem representadas por nós na sociedade. É isso que vai ficar”, explicou.

Motivação extra para enfrentar Graff

Antes da luta, realizada no início de agosto, Márcio revelou ter se emocionado com relatos de Cintia, mãe de Bernardo. Nos bastidores do RFA Fight, Lyoto descreveu alguns momentos difíceis encarados pela família. Os fatos motivaram ainda mais o atleta a dar um verdadeiro show, junto a ‘Bê’, no cage.

“Uma mensagem importante, que tem de ser dita, que é o porquê se deve ter a inclusão social. Foi uma notícia que me emocionou. A gente sabe que ele tem autismo e os familiares são os verdadeiros guerreiros. As histórias que ela (Cintia) me contou me comoveram muito. Ela falou sobre alguns momentos triste que já passaram junto ao Bernardo: da falta de inclusão social do Bernardo na escola, dos outros colegas, às vezes, não entenderem o que se passa e ele acabar sendo agredido fisicamente. Qualquer ser humano do bem, escutando uma história dessas, o que ele puder fazer para ajudar, fazer uma pesquisa, tentar incluir. Isso mexeu muito comigo”, disse Lyoto, antes de descrever a determinação de ‘Bê’ antes do confronto histórico.

“O Bernardo estava no mundo dele, focado para fazer uma luta de MMA, andando de um lado para o outro, ansioso. Aquilo me deixa feliz. Vê-lo realizando o sonho dele, em um evento oficial e fazendo uma luta de apresentação”, desabafou.

TEA na família de Lyoto

Como citado por Rangel Farias, Márcio Lyoto fala com propriedade sobre situações que envolve pessoas dentro do espectro autista. O lutador falou sobre o caso do irmão, Alisson Alexandre, de oito anos, que também tem o diagnóstico do TEA.

“Eu tenho um irmão que também é autista, mas com grau mais leve. A gente começa a aprender a conviver com casos na sua família e se torna mais íntimo. Nós somos obrigados a pesquisar, ver como é o comportamento da criança, as atitudes que ela vai tomar. Isso tem que ser falado. Casos assim, muito por medo da sociedade, as pessoas acabam escondendo (os pacientes) dentro de casa. As pessoas têm o direito de poder ir à rua, conviver em sociedade. Falando da realidade, do dia a dia, tem dias que são perfeitos e, outros, tem um probleminha ou outro”, disse.

HORA DA LUTA!

Do show de superação, à luta no cage. Apresentado de forma empolgante, Bernardo está pronto para sua aguardada luta contra Lyoto. O confronto, no entanto, não dura muito. Logo no primeiro round, Graff se aproveita de um descuido de Márcio, que, ao avançar nas pernas de ‘Bê’, deixa o pescoço à mostra e este é o início do fim.

Sem perder tempo, Graff laça o pescoço do adversário e encaixa uma guilhotina. Sem condições de se afastar da posição, Lyoto dá os três tapinhas, obriga a interrupção do árbitro e confirma: Bernardo Graff finaliza no primeiro round e vence sua primeira luta no MMA.

Bernardo Graff (esq.) derrotou Márcio Lyoto (dir.) no primeiro round do RFA Fight. Foto: Reprodução/Instagram

Próximo passo

Com o sonho realizado, se engana quem pensa que a trajetória de Graff no esporte para por aí. No que depender de Rangel Farias e Bernardo, o próximo compromisso pode não estar longe. Responsável pela RFA Fight, o Mestre não titubeou na resposta.

“A gente está vendo a próxima luta dele. Estamos estudando outro lutador famoso. Com certeza, ele vai estar no próximo evento. É um menino que é a cara da nossa equipe, está sempre junto. Então, ele merece”, garantiu Rangel.

Como todo bom atleta, ‘Bê’ afirma que tem de se aguardar um período para um novo compromisso. No entanto, podemos aguardar mais Bernardo Graff em breve.

“Tem que esperar um tempo. Mas, quando estiver preparado”, cravou.

Sonho do lutador

Após a primeira vitória no MMA, Bernardo não esconde os planos de sua trajetória no esporte. Perguntado qual é o maior sonho na modalidade, Graff não se esquivou e respondeu de forma direta.

“Meu sonho é ser um atleta invicto”, encerrou.

AFINAL, O QUE É O ‘TEA’?

Ao longo dos anos, o tema ‘Transtorno do Espectro Autista’ tem ganhado cada vez mais força em meio à sociedade. É importante, porém, evoluir e sempre buscar conhecimento sobre assuntos que possam valorizar a qualidade de vida entre pessoas que carecem de entendimento. Na intenção de esclarecer sobre a parte técnica a respeito do assunto, nossa equipe conversou com Dra. Raquel Machado Soares, neurologista infantil, formada pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que explicou sobre a condição.

“O ‘Transtorno do Espectro Autista’ é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado, basicamente, pela dificuldade, em algum grau, nas áreas de comunicação, linguagem, interação social.  O ‘TEA’ acompanha a criança desde os primeiros anos de vida. Para você dar este diagnóstico, a pessoa tem que ter uma dificuldade na comunicação e interação interpessoal. A principal marca do Transtorno do Espectro Autista é a pessoa ter uma dificuldade na linguagem, comunicação, interação, socialização. Também, ter alguns interesses mais restritos, um comportamento mais rígido, comportamentos repetitivos. Basicamente, é isso que todo paciente com este diagnóstico vai apresentar em algum grau. Alguns, vão ter um grau mais leve; outros, mais grave. A questão do grau tem muito a ver com a independência do paciente – a demanda por algum auxílio no dia a dia. No grau leve, são pacientes mais independentes. No grave, são dependentes, aqueles que não falam, ou falam muito pouco. Não tem uma associação com inteligência. Está relacionado com a capacidade de interação e comunicação”, disse a doutora.

Tabus existentes

Embora o tema ‘TEA’ esteja ganhando cada vez mais espaço dentro da sociedade, ainda existem alguns tabus existentes que precisam ser evidenciados. Com sua experiência na área, Dra. Raquel elencou algumas situações recorrentes dentro de seu convívio com pacientes, familiares e pessoas externas.

“Com essa dificuldade de interação, às vezes, a pessoa pode ter problemas na escola desde cedo, uma dificuldade de aprendizado. Pode chegar na casa de alguém e não cumprimentar, chama pelo nome e ele (o paciente) não olha. O paciente não entende muito esses códigos sociais. Com muita frequência, os pacientes têm dificuldades com o toque, barulhos altos, às vezes se irritam com mais facilidade, têm uma intolerância maior com frustrações. Tudo varia muito com o tipo de apresentação que aquela pessoa vai ter”, descreveu.

Melhora na qualidade de vida

Uma das faíscas para a produção desta matéria especial é mostrar que há possibilidades para ganho em pacientes que fazem parte do espectro autista. Dra. Raquel, então, aponta alternativas que podem favorecer o desenvolvimento em casos. O esporte é uma delas.

“A gente vê algumas linhas de terapia. Há uma, com base na análise do comportamento humano (ABA), comprovadamente uma das terapias que mais dão resposta ao tratamento do autismo. É como se você conseguisse que essa pessoa se adaptasse melhor às suas dificuldades. Além disso, temos muitos resultados na musicoterapia. Vejo com muita frequência o gosto pela música. Ouço os pais falarem muito que a musicoterapia ajuda bastante, até naqueles que têm algum tipo de intolerância a alguns barulhos. Eles (os pacientes) vão pegando estímulos e vão aprendendo um pouco mais. Às vezes, até alguns pacientes que não falam, começam a cantar. Às vezes a pessoa não tem tanto interesse em socializar, mas, quando ouve uma música que o agrada, ele já começa a cantar, desenvolve melhor a fala”, disse a especialista, que completou somando o esporte como uma das alternativas.

“Com relação ao esporte, é muito válido. A gente vê muito a relação do autismo com transtorno da coordenação motora que, às vezes atrasa o desenvolvimento. Quando a criança tem interesse – algumas gostam de atividades na água. Acho interessante os pais observarem a condição de cada um. (…) Às vezes, os pais de crianças e adolescentes com esse diagnóstico pensam que a criança não vai conseguir ser produtiva, não vai ter uma boa qualidade de vida, uma independência. Estes eventos são importantes para as pessoas se espelharem. Tem como a gente trabalhar. Há muitas pessoas entre nós que estão desempenhando um trabalho, um esporte. É ótimo para as famílias, para as pessoas que tenham esse diagnóstico se sentirem motivadas, incluídas”, encerrou.

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