Máfia das apostas: crime que abala o futebol pode atingir o MMA? Especialista analisa contexto

Equipe traça paralelo entre situação envolvendo os esportes e convida Bernardo Oliveira a apontar panorama futuro nas artes marciais mistas

Jeff Molina (esq.) está suspenso do UFC sob suspeita de envolvimento com apostas ilegais. Foto: Reprodução/Instagram

O que era para ser algo profissional e recreativo, passou a ser pauta de páginas policiais. As apostas esportivas, que têm crescido rapidamente no Brasil, voltaram ser a alvos de escândalos nos últimos dias. Após a operação ‘Penalidade Máxima’, que investiga manipulação de resultados no futebol brasileiro vir à tona, a comunidade dos apostadores começou a questionar a veracidade de lances e desfechos em diversas modalidades.

Apostas no MMA também foram alvos de investigações após movimentos suspeitos de altos investimentos em resultados ou lutadores. Vítima de casos recentes, o UFC oficializou, em outubro de 2022, a proibição de atletas, parentes e amigos próximos em apostarem nos confrontos comandados pelo Ultimate.

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“Estamos escrevendo para informá-lo sobre uma modificação na Política de Conduta do Atleta do UFC (…) à luz da orientação clara que recebemos dos reguladores responsáveis ​​pela indústria regulamentada de apostas esportivas nos Estados Unidos, somos obrigados neste momento a reconhecer na Política de Conduta do Atleta do UFC certas restrições relacionadas às apostas de nossos atletas, membros de suas equipes e alguns outros (…) às vezes, violar essas proibições pode levar a acusações criminais”, diz parte do comunicado publicado por Hunter Campbell, diretor de negócios do Ultimate.

Diferente do que ocorre no futebol, onde a quadrilha de apostadores interfere diretamente no jogo, principalmente pagando jogadores para serem punidos com cartões, a principal polêmica envolvendo as apostas no MMA e, mais precisamente no UFC, tem a ver com compartilhamento de informações privilegiadas a grupos de apostadores.

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Treinador é investigado pelo FBI por suspeita em escândalo de apostas no UFC

Jeff Molina ao lado de James Krause (dir.). Foto: Rerprodução/Instagram

Meses antes da operação ‘Penalidade Máxima’ tomar conta dos noticiários esportivos no Brasil, o UFC vivia seu próprio escândalo de apostas, tendo como figura central o ex-lutador da organização e treinador James Krause.

Entusiasta declarado de apostas esportivas, Krause comandava o canal ‘1% Club’, no Discord, onde compartilhava dicas e palpites para quem quisesse apostar em lutas de MMA. O norte-americano chegou a afirmar que apostava em praticamente todos os combates do UFC, inclusive os de seus pupilos, e que lucrava mais com as apostas do que com o ofício de treinador.

O ponto central do escândalo envolvendo James Krause se deu no UFC Las Vegas 64, realizado no dia 5 de novembro do ano passado. Mais precisamente no duelo entre Shayilan Nuerdanbieke e Darrick Miner, atleta treinado por Krause. Horas antes da luta, uma intensa movimentação de apostas na vitória por nocaute de Nuerdanbieke chamou a atenção das casas de aposta, principalmente após o resultado ter se confirmado em pouco mais de um minuto do primeiro round quando Miner acusou uma lesão na perna após desferir um chute no adversário.

Posteriormente, foi revelado que Miner havia entrado no octógono com uma lesão pré-existente no joelho, o que levantou suspeitas de que James Krause poderia ter compartilhado informações privilegiadas sobre o seu pupilo a grupos de apostadores.

N. Shailyan (dir.) venceu D. Minner (esq.) no UFC. Foto: Reprodução/Instagram

O ocorrido passou a ser investigado inicialmente pela U.S Integrity e pelo próprio UFC e, no mesmo mês, James Krause perdeu a licença de treinador junto à Comissão Atlética de Nevada, ficando impedido de acompanhar seu pupilo Miles Johns no UFC Las Vegas 65.

Com o avanço das investigações, o UFC anunciou que lutadores que optassem por continuarem a ser treinados por Krause, ou até mesmo na academia do treinador, seriam proibidos de participar de eventos da organização. Além disso, Derrick Miner foi demitido do Ultimate.

Presidente do UFC, Dana White, que meses antes minimizava o ocorrido, mudou o tom e revelou envolvimento do FBI  (Departamento Federal de Invstigação) nas investigações e risco de ‘prisão federal’ para os lutadores envolvidos.

Em janeiro deste ano, a ‘ESPN‘ norte-americana concluiu, após longa investigação, que James Krause trabalhava para o site estrangeiro ‘ABCBeeting.ag‘ desde pelo menos 2019. A reportagem alegava que Krause atuava como agente do site oferecendo uma linha de crédito e propinas por indicação.

Logo em seguida, o peso mosca (até 56,7kg) Jeff Molina, treinado por James Krause há anos, foi suspenso pela Comissão Atlética de Nevada acusado de ‘envolvimento considerável’ no ‘esquema de apostas’ que supostamente envolvia seu treinador. Embora não tenha sido dispensado pelo UFC, Molina segue suspenso da organização até as investigações serem concluídas.

Lutador gera suspeitas ao agradecer a apostador após vitória

D. Onama finalizou G. Armfield no UFC Las Vegas 58 (Foto: Instagram/UFC)

Cerca de quatro meses antes de toda a questão envolvendo James Krause vir à tona, o peso pena (até 65,7kg) David Onama foi centro de outra polêmica envolvendo apostas no UFC. Após a vitória sobre Garrett Armfield no UFC Las Vegas 58, o ugandês foi às redes sociais agradecer ao apostador ‘Skinnybets’ por apostar que a luta acabaria após a metade do segundo assalto.

A publicação de Onama levantou suspeitas da comunidade do MMA. Acostumado a definir lutas no primeiro round e com amplo favoritismo contra Armfield, que estreava no UFC e aceitara a luta com quatro dias de antecedência, David Onama protagonizou um primeiro assalto morno e definiu a luta com uma finalização na segunda metade do segundo round.

Embora tenha chamado a atenção da comunidade, a relação entre David Onama e o apostador ‘Skinnybets’ não foi alvo de investigação, ou, ao menos, não gerou consequências ao ugandês, que voltou ao octógono cerca de um mês depois e tem luta marcada contra o brasileiro Gabriel Mosquitinho em junho.

Pode ou não pode? Após proibição, entrevista polêmica de lutadora passa ‘batida’

Sam Hughes em vitória no UFC (Foto: InstagramUFC)

Em abril deste ano, a peso palha (até 52,1kg) Sam Hughes também chamou atenção por uma declaração polêmica após a vitória sobre a brasileira Jaqueline Amorim, no UFC 287. Em entrevista coletiva após o evento, a norte-americana revelou que seu namorado apostou mil dólares (cerca de R$ 5 mil reais) em sua vitória.

A declaração de Hughes se deu cerca de cinco meses após a atualização no código de conduta do UFC, que proíbe atletas, familiares, membros de equipe e qualquer pessoa próxima aos lutadores de realizar apostas em lutas da organização.

Embora a contradição tenha sido notada por fãs e parte da imprensa especializada, a fala de Hughes não foi alvo de nenhum pronunciamento oficial do UFC, nem gerou consequências públicas à atleta.

Especialista analisa contexto e risco ao MMA

Especialista em apostas esportivas, com foco no MMA, Bernardo Oliveira, fundador do Canal ‘Bernardo Oliveira Apostas’, no YouTube, falou com exclusividade ao SUPER LUTAS e colaborou com a equipe na construção do paralelo entre os esportes. Administrador por formação, hoje ele se dedica exclusivamente ao ramo das ‘bets’ e indicou os riscos de seu trabalho ser prejudicado pela ação criminosa de terceiros.

“Apesar de ser outro esporte, acaba relacionando. O Governo já está querendo regulamentar as apostas e isso pode desdobrar para quem aposta em MMA. As casas de apostas têm os esportes e, de repente, podem sair do Brasil. Isso pode me afetar. A meu ver, o que falta é mais punição. A impunidade proporciona esse tipo de situação, na minha visão. Muitos jogadores (de futebol) são ‘ignorantes’ e não sabem como funciona a coisa. Se soubessem como é fácil descobrir (manipulação de partidas), eles não iam se arriscar. Jogador de série A, que ganha salário bom, não faz sentido se arriscar por ‘merreca’, em comparação ao salário que ganham. Vejo como uma grande ignorância. Falta, também, dos clubes, educarem seus jogadores. Precisam explicar o que acontece, quais os riscos você traz para a empresa e si mesmo. Agora, os clubes estão mais ligados depois desse escândalo”, disse Bernado.

Como apontado, Oliveira entende que a punição deve se aproximar de algo que busque anular quaisquer tentativas de atividades antidesportivas. Em exercício de imaginação, o profissional se explicou.

“Não sei precisar qual punição, mas tem que ser algo que faça com que o lutador não pense na possibilidade de cometer algo ilícito, fraude. Tem que ser algo que ele abomine esse tipo de situação”, disse.

Octógono do UFC Apex, em Las Vegas (EUA). Foto: Reprodução / Twitter UFC Espanol

Como exemplo prático, Bernardo descreve o posicionamento recente do UFC, que proibiu atletas e pessoas próximas de realizarem apostas em si próprios ou pessoas relacionadas. A organização busca se desvencilhar de questionamentos à legitimidade de seus compromissos profissionais. As Casas de Apostas, como pilar para o modelo de entretenimento, também foram citadas, trazendo possibilidades de minimizar crimes que possam manchar o plano inicial.

“O UFC até tomou uma providência proibindo qualquer tipo de aposta dos próprios lutadores. Dustin Poirier, por exemplo, sempre apostava em si mesmo, mas sempre no ‘ML’ (moneyline, recurso que possibilita apostar em quem vencerá determinada luta, no caso das artes marciais). Aposta em quem vai vencer, e não na forma que vai vencer. Também existem as ‘Props’ (que buscam determinar o desfecho exato), por exemplo: ‘o lutador vai vencer no round 3’, que gera uma ‘odd’ (possibilidade de retorno do investimento) mais alta. Pelas ‘Props’, o atleta pode não lutar de forma natural. Ele pode querer estender um pouco mais a luta para ganhar do round 3. Você sai da naturalidade da luta. UFC tomou a providência e eu concordei. Não deixar lutadores e quem quer que esteja próximo dos lutadores apostar. É difícil, mas as casas de apostas, que são uma das maiores interessadas, podem muito bem, com seus algoritmos, identificar volumes suspeitos, anormais de dinheiro entrando em determinada aposta. A partir daí, comunicar autoridades que realizem as investigações cabíveis”, explicou.

Bernardo, então, relembrou um episódio relacionado a James Krause, treinador citado acima, banido do Ultimate sob suspeita de envolvimento com apostas ilegais.

“Lembro o caso que teve no UFC, do lutador Darrick Minner (como citado acima). Ele era lutador do James Krause. Ambos foram banidos. (…) James Krause era o treinador e vendia dicas de aposta. Tinha informação privilegiada. Ele bota um atleta dele lesionado para lutar. As Casas de Apostas identificaram um volume de dinheiro muito grande entrando, apontando vitória do adversário (Nuerdanbieke Shayilan) no primeiro round. Ou seja, se as Casas quiserem, conseguem identificar facilmente qualquer tipo de manipulação. Basta ter um canal de comunicação mais fácil das Casas com autoridades”, contou Oliveira, que, na sequência, aponta outro episódio suspeito.

David Onama contra Garrett Armfield (UFC Las Vegas 58). Nessa luta, eu fiquei ‘P’ da vida. Eu nem tinha apostado nessa luta. Dava para perceber. Como dizia Julio César: ‘Não basta ser honesto, tem que parecer honesto’. Acaba a luta e David Onama agradece a ‘Skinnybets’, um apostador dos Estados Unidos, que apostou para a luta passar da metade do segundo round. Não sei se combinaram, mas passou essa impressão para o público. Onama já tinha enfrentado Armfield no MMA amador, venceu na decisão unânime (2018). De lá para cá, David Onama evoluiu muito. Depois disso, praticamente nocauteava ou finalizava em todas as lutas. No primeiro round (contra Armfield, no UFC Las Vegas 58), ele (Onama) tem um round burocrático e, na minha visão, até perde. Na metade do segundo round, parece que passou a metade do round, ele prepara o katagatame e finaliza. Foi muito suspeito. Outra coisa: David Onama era lutador do James Krause. Fiquei indignado. O UFC prontamente reformulou e aperfeiçoou sua política”, encerrou.

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